Se não tivesse havido o convite para aquele final de semana, ou aquele final de semana não fosse do pai, tudo seria diferente. Se não tivesse a família saído à noite naquele dia, ou se na volta, no carro, a menina tivesse sentado em outro lugar.
E se ela não tivesse reclamado de algo, mencionado a mãe, tivesse dito que queria voltar para casa. E se a madrasta não estivesse de anel ou não tivesse desferido o tapa que feriu o rosto da criança; e se não tivesse saído sangue da testa e ela não tivesse ficado assustada.
Se o lamento da menina não tivesse aumentado e se isso não tivesse deixado a madrasta transtornada. E se o elevador em que eles subiram com a criança chorando não estivesse vazio, mas com um vizinho que pudesse com sua presença impor alguma razão.
E se o pai, ao entrar no apartamento com a menina em prantos, segundos antes de tê-la arremessado com força no chão, tivesse se detido por um instante na foto na parede onde ela aparecia sorrindo, brincando com os irmãos.
E se a madrasta tivesse pensado nos próprios filhos que eram irmãos da filha da outra e não tivesse avançado com tanta raiva sobre ela, apertando-lhe a garganta, até que ela parasse de chorar.
E se o pai diante da cena tivesse lembrado do dia em que soube que ela iria nascer; e depois, quando viu que ela se aquietava nos seu braços; e depois quando ensinou-lhe os primeiros passos; e depois quando acostumou-se a ouvi-la o chamar de papai. Sendo assim, nesse momento, por lampejo de lucidez ou reverberação afetiva, ele tivesse dito a si ou à mulher: NÃO.
Se, naquele momento, um celular, a campainha, a porta, o interfone, qualquer coisa, tivesse interferido. Ou se na menina tivesse sobrado alguma força a ponto de poder fugir.
E se ela não tivesse ficado desacordada e isso não tivesse parecido ao pai e à madrasta que ela estava morta. Se então o pai não quisesse proteger a mulher como a ninguém e não pegasse uma tesoura e uma faca na cozinha.
E se, uma vez no quarto dos filhos com intenção de cortar a rede na janela, ao subir na cama de um deles, ele tivesse quebrado o lastro com o peso do corpo e prendido o pé.
Se ao enfiá-la pela rede ainda sem tê-la solto, ele a tivesse escutado suspirando. Ou se ele, por um mínimo, ínfimo momento que fosse, antes de soltar a perna dela, tivesse olhado para cima e se perguntado o que, afinal, estava fazendo. Se algum fato desses, se algum desses acontecimentos tivesse acontecido diferentemente do que aconteceu, a menina estaria viva.
O que importa na vida é a sorte e o amor. Da sorte terrível daquela menina o que se disse já basta. E o amor, naquela noite, estava distante.
Fonte: http://entrelacos.blogger.com.br/
E se ela não tivesse reclamado de algo, mencionado a mãe, tivesse dito que queria voltar para casa. E se a madrasta não estivesse de anel ou não tivesse desferido o tapa que feriu o rosto da criança; e se não tivesse saído sangue da testa e ela não tivesse ficado assustada.
Se o lamento da menina não tivesse aumentado e se isso não tivesse deixado a madrasta transtornada. E se o elevador em que eles subiram com a criança chorando não estivesse vazio, mas com um vizinho que pudesse com sua presença impor alguma razão.
E se o pai, ao entrar no apartamento com a menina em prantos, segundos antes de tê-la arremessado com força no chão, tivesse se detido por um instante na foto na parede onde ela aparecia sorrindo, brincando com os irmãos.
E se a madrasta tivesse pensado nos próprios filhos que eram irmãos da filha da outra e não tivesse avançado com tanta raiva sobre ela, apertando-lhe a garganta, até que ela parasse de chorar.
E se o pai diante da cena tivesse lembrado do dia em que soube que ela iria nascer; e depois, quando viu que ela se aquietava nos seu braços; e depois quando ensinou-lhe os primeiros passos; e depois quando acostumou-se a ouvi-la o chamar de papai. Sendo assim, nesse momento, por lampejo de lucidez ou reverberação afetiva, ele tivesse dito a si ou à mulher: NÃO.
Se, naquele momento, um celular, a campainha, a porta, o interfone, qualquer coisa, tivesse interferido. Ou se na menina tivesse sobrado alguma força a ponto de poder fugir.
E se ela não tivesse ficado desacordada e isso não tivesse parecido ao pai e à madrasta que ela estava morta. Se então o pai não quisesse proteger a mulher como a ninguém e não pegasse uma tesoura e uma faca na cozinha.
E se, uma vez no quarto dos filhos com intenção de cortar a rede na janela, ao subir na cama de um deles, ele tivesse quebrado o lastro com o peso do corpo e prendido o pé.
Se ao enfiá-la pela rede ainda sem tê-la solto, ele a tivesse escutado suspirando. Ou se ele, por um mínimo, ínfimo momento que fosse, antes de soltar a perna dela, tivesse olhado para cima e se perguntado o que, afinal, estava fazendo. Se algum fato desses, se algum desses acontecimentos tivesse acontecido diferentemente do que aconteceu, a menina estaria viva.
O que importa na vida é a sorte e o amor. Da sorte terrível daquela menina o que se disse já basta. E o amor, naquela noite, estava distante.
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