quinta-feira, 11 de março de 2010

Mundo, vasto mundo



ROY MERCADO

Roy Mercado era um porto-riquenho de 48 anos, baixa estatura, bigodinho ralo e olhos piscos. Mas entroncado. Conheci-o no Kuwait, nas vésperas da invasão do Iraque. Em Nova Iorque, ganhava a vida como guarda prisional. Na guerra, era condutor de camiões.

Muitos dos militares americanos, principalmente os das regiões mais pobres dos Estados Unidos, os negros e os de origem latina, estavam ali contrariados. Tinham aderido às Forças Armadas porque isso era a sua única oportunidade de fazerem um curso, ou de, simplesmente, terem emprego. Serem chamados para o Iraque foi a maior catástrofe das suas vidas.

Não era o caso de Roy. Mercado era pobre, mas republicano. Latino, mas racista. Casado, com seis filhas, mas aventureiro. Estava ali, não apenas de livre vontade: ele pediu para ir. Meteu cunhas, chegou a forjar documentos atestando as suas habilitações militares. Há casos assim, de excesso de zelo patriótico, mas também não era o de Mercado. Ele estava ali porque queria matar Saddam. Não em nome da América, o Ocidente, a Cristandade ou a Democracia. Apenas em seu nome: Roy Mercado.

“Isto é uma coisa pessoal”, dizia ele. “Eu sei que o gajo está a mentir. É preciso tirá-lo dali”. Referia-se a Saddam e ao braço-de-ferro com Washington e os inspectores da ONU sobre a alegada posse de armas de detruição maciça. “Seria loucura deixá-lo lá ficar. Eu quero pôr-lhe as mãos em cima e afastá-lo do poder”.

Roy Mercado era um individualista. Sempre fez o que quis e nunca se deu mal com isso. Na instituição onde trabalhava, os serviços prisionais de Nova Iorque, era considerado um funcionário exemplar. Tinha os seus próprios métodos para manter a ordem, que usava com desvelo e eficácia e que mereceram em várias ocasiões o louvor dos seus superiores. Mas não era isso que o motivava. Se admoestava duramente os presos ao seu cuidado, se lhes aplicava castigos e os submetia a humilhações e violência, era porque acreditava profundamente que o devia fazer.

Roy nunca foi um pau-mandado. Mesmo quando cumpria ordens, era ele que mandava, tal a convicção com que assumia directivas vindas de cima. No Iraque, era um mero condutor de camião, mas comportava-se como um general. “Farei tudo o que me mandarem fazer”, gabava-se. “Sobreviver nem sempre é fácil, nem aqui nem em Nova Iorque. Mas eu não tenho medo de nada. Um homem corre os riscos que tem de correr".

E contava façanhas e peripécias, planos e expedientes. Era um verdadeiro estratego, pensava pela sua própria cabeça, assumia as razões e as consequências dos seus actos. Estava ali para derrubar Saddam Hussein porque o considerava um perigo para a segurança mundial. Roy Mercado era um homem com uma política externa própria.

Não tinha culpa se os seus objectivos coincidiam ao pormenor com os propósitos da nação mais rica do planeta. Não tinha culpa se o Exército mais poderoso da História estava ali para o ajudar. Via isso como uma coisa natural.

Homens como Roy Mercado têm nações e exércitos para os servir. E pouco lhes importa o que possamos pensar. O poder será sempre deles.

Fonte: http://reporterasolta.blogspot.com/

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