Quem somos nós?
O homem não é conhecível a si próprio, porque a sua vida
consiste em esforços alternados para ser o que não é, e essa transposição e
substituição contínuas de almas irreais e estranhas fazem com que aquilo que na
verdade e, ao contrário de Deus, pareça o que nunca é. Mesmo no mais pobre de
nós existem pelo menos sete homens.
Há aquele que parece aos outros e o julgado,
justamente, sabe quase sempre que não é. Há aquele que diz ser e ele
próprio sabe não ser, porque a vaidade ou medo tornam sempre mentiroso.
Há aquele que julga ser e é o mais distante da
verdade, que cada um se inclina para se julgar aquilo que não é, por uma
retorsão do orgulho que afasta tudo o pior, que é a maioria. Há aquele que quereria
ser, o mito pessoal de todo o homem, o sonho reservado ao futuro, aquele que
depois deforma todas as autobiografias.
Aquele que finge ser para comodidade e necessidade da
vida comum, onde o insensível deve mostrar-se caloroso, o avarento liberal e o
vil corajoso.
Há aquele que se poderia chamar o nosso duplo
desconhecido: a personalidade subconsciente, que só conhecemos vagamente e
por suposição, embora oriente com frequência a nossa vida e sugira, valendo-se
hipocritamente de razões fingidas, muitos dos nossos atos.
E, finalmente, há aquele que é verdadeiramente e
ninguém conhece, à parte Deus, do qual apenas um inimigo paciente pode entrever
algumas frações inferiores.
O eu essencial e autêntico esquiva-se sempre, a tudo e a si
próprio. Nunca nos assemelhamos a nós mesmos.
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
FONTE: http://assisprocura.blogspot.com.br/
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