Daniel Boa Nova – Em todas as regiões do
país são encontradas amostras de resíduos tóxicos em concentrações acima
do recomendável, seja nas plantações, no solo, nas águas ou nos peixes.
Imagine que um amigo convida você para almoçar na casa dele. Na mais
saudável das intenções, a proposta é um menu leve. Digamos que uma
salada de entrada e batatas recheadas no prato principal. Você
possivelmente toparia o convite, não? E se ele dissesse que usaria
veneno no tempero?
É isso que acontece na casa de uma pessoa qualquer como eu, você e
esse amigo fictício. E também nos restaurantes de esquina, buffets por
quilo e praças de alimentação. Pode lavar as folhas, deixar a cenoura no
vinagre e esfregar cada pepino com bucha. Se na lavoura eles receberam
agrotóxicos, ainda estarão contaminados. Quem diz isso não é o Hypeness,
é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Se todos os
defensivos agrícolas utilizados por ano em nosso país fossem divididos
pela população, daria um galão de 5,2 litros para cada brasileiro. Vai
um aí na janta?
Foi no pós-2a Guerra que o uso de agrotóxicos passou a ser
disseminado, com o crescimento exponencial da agricultura industrial. A
chamada Revolução Verde levou uma série de inovações ao campo para
aumentar a produção agrícola. Entre elas, a substituição da mão-de-obra
humana pela mecanizada, o advento de sementes geneticamente modificadas e
o uso de adubos químicos e venenos para pragas. O objetivo declarado
até poderia ser nobre: combater a fome. Porém, cinquenta anos depois,
além dos impactos sociais causados pelo êxodo rural, as consequências
para o meio ambiente e para a saúde das pessoas evidenciam que esse modo
de produzir pautado apenas na quantidade e não na qualidade está
ultrapassado.
Agente Laranja, da Monsanto, sendo utilizado na guerra do Vietnã.
No ano passado, a Embrapa deixou disponível na internet um estudo
realizado por seus pesquisadores entre os anos de 1992 e 2011. O
objetivo do levantamento era traçar um panorama sobre a contaminação
ambiental causada pelos agrotóxicos no Brasil. E o cenário é assustador:
em todas as regiões do país são encontradas amostras de resíduos
tóxicos em concentrações acima do recomendável, seja nas plantações, no
solo, nas águas ou nos peixes. Isso porque não foram avaliados os
impactos sobre a carne, ovos e leite, que indiretamente também trazem
agrotóxicos para a mesa.
Muito se fala sobre como o Brasil disputa a liderança no mercado
mundial de soja. O que não se fala tanto é sobre como essa cultura
lidera o uso de defensivos agrícolas no país. Um bastante aplicado para
limpar terrenos antes do cultivo é o herbicida 2,4-D. Trata-se de um dos
componentes do agente laranja, utilizado pelos Estados Unidos na Guerra
do Vietnã. O herbicida é proibido em países como a Suécia, a Noruega, a
Dinamarca, em vários estados do Canadá e os Estados Unidos vêm
discutindo o seu banimento também. Aqui é liberado. E ele é apenas um.
Em nosso país temos mais de 400 tipos de agrotóxicos registrados.
Entre eles, pelo menos 14 venenos proibidos no resto do mundo acabam
sendo desovados por aqui e têm permissão para o comércio. Na União
Europeia e Estados Unidos, são considerados lixos tóxicos. No Brasil
manuseamos, respiramos, bebemos e comemos. Alguns a gente até proíbe,
mas a venda e o uso ilegal correm soltos pelo campo frente a uma
fiscalização falha. E, das substâncias permitidas, em inúmeros casos são
aplicadas quantidades acima dos limites aceitáveis. Até porque há um
mito entre produtores rurais de que, quanto maiores as doses, mais tempo
a lavoura fica livre de pragas. Mas parece que esse controle se tornou
ele próprio a maior praga. Porque os impactos na saúde pública são
evidentes.
A cada 90 minutos, um brasileiro é envenenado em decorrência do uso
de agrotóxicos no país. E isso são apenas os casos notificados ao
sistema de saúde. É uma epidemia de intoxicações agudas, com direito a
dores de cabeça, vômitos, infecção urinária, alergias. O uso de
agrotóxicos é uma prática tão deliberada, inconsequente e sem controle
que chegamos ao absurdo de episódios como esse, onde um avião
simplesmente despejou sua carga do inseticida engeo pleno em cima de uma
escola, hospitalizando funcionários e dezenas de crianças. Aliás, a
prática da pulverização aérea foi proibida pela União Europeia lá em
2009, dada sua baixa eficiência e riscos ambientais. Por aqui, apesar da
pressão dos movimentos sociais, a discussão sobre proibição da
pulverização aérea está nesse nível aqui.
Ainda sobre os impactos que o uso massivo de agrotóxicos têm sobre a
saúde, eles vão além do mal estar. Especialistas apontam uma relação
direta entre o acúmulo de agrotóxicos no organismo e o desenvolvimento
de câncer de mama, fígado e testículos. Uma contradição quando se pensa
que o consumo de frutas e legumes é exatamente uma das atividades
saudáveis recomendadas para ajudar a prevenir o surgimento de tumores
malignos. Há pouco tempo, uma pesquisa realizada no município de Lucas
do Rio Verde, no Mato Grosso, mostrou que havia resíduos de agrotóxicos
no leite materno de todas as mulheres examinadas. Todas, 100%. A mesma
cidade é apontada como ícone do desenvolvimento trazido pelo
agronegócio, como mostrou essa reportagem que foi à TV.
Agora, nem eu e nem você somos obrigados a ingerir produtos
contaminados por agrotóxicos. A alternativa está bem ao nosso alcance:
optar pelo consumo de alimentos provenientes da agricultura orgânica.
Além de serem isentos de adubos químicos e venenos para pragas, eles
também não contêm remédios veterinários, hormônios e organismos
geneticamente modificados. Quando se trata de alimentos orgânicos
processados, nada de corantes, aromatizantes e conservantes sintéticos. É
um modo de produzir que respeita os ciclos da natureza e estabelece
formatos de trabalho colaborativos, valorizando a qualidade de vida de
quem produz, de quem vende e de todos que consumimos.
Muito se diz sobre os alimentos orgânicos serem mais caros do que os
demais. É uma meia-verdade. Nos supermercados e mesmo nos sacolões,
talvez possa ser. Até porque ainda não temos por aqui um varejista como o
Whole Foods Market, que desde os anos 80 vende somente comida orgânica.
A rede começou com apenas 19 pessoas trabalhando, e hoje já são mais de
50 mil colaboradores em suas lojas pelos Estados Unidos, Canadá e
Inglaterra. Com seu capital aberto, a empresa é uma prova de que a
agricultura orgânica não é inimiga do business. Um exemplo de como é
possível vender com escala e obter lucros sem ser nocivo ao meio
ambiente e às pessoas.
Olhando para a nossa realidade, a maneira mais fácil de encontrar
orgânicos a preços acessíveis é comprando direto do produtor. E com isso
não estamos dizendo que é preciso fazer uma viagem à roça cada vez que a
geladeira esvaziar. Hoje já são mais de 300 feiras orgânicas espalhadas
pelo Brasil, onde é possível encontrar de tudo a preços justos e sem
riscos à saúde. Fizemos até uma matéria mostrando algumas. Uma simples
busca por “orgânicos” no Google ou Facebook também traz vários
resultados de produtores vendendo os mais diversos insumos, alguns
provavelmente localizados perto de você.
Outras iniciativas que devem ser apoiadas e multiplicadas são as dos
hortões urbanos. Que, além de gerarem alimentos saudáveis, também
contribuem para o cinza das cidades se tornar mais verde. Recentemente
visitamos um incrível no meio de São Paulo. Aliás, também podemos
cultivar alimentos em nossas próprias residências. Dentro de casa
ninguém vai jogar agrotóxico, concorda? Hortaliças e temperos são alguns
exemplos do que pode ser plantado facilmente em pequenos vasos para
suprir a demanda doméstica. Quem sabe fazendo isso você não toma gosto
pela coisa e chega ao nível dessa família norte-americana, que a 15
minutos do centro de Los Angeles produz toneladas de alimentos orgânicos
no próprio quintal.
O cultivo de orgânicos dentro de cooperativas familiares poderia
suprir a todos com alimentos de qualidade a preços justos. Seria uma
questão de organizar a produção e o escoamento de forma mais
descentralizada. Tanto que a própria ONU incentiva o desenvolvimento
dessas práticas. Mas, no Brasil, de um lado estão os grandes interesses
econômicos do agronegócio e, do outro, as questões ambientais e de saúde
pública. Evidências científicas alarmantes nem sempre são decisivas
frente à contribuição que certos grupos dão ao nosso PIB. Apesar de
algumas iniciativas localizadas do poder público serem muito bem-vindas,
esperar que o governo solucione todo esse embate pode ser esperar tempo
demais.
Claro que para haver mudanças é importante atuar politicamente em relação ao tema, cobrando dos 3 poderes as medidas que queremos, fazendo petições, organizando protestos e não votando nos representantes que vão contra nossos valores. Entretanto, de forma bem pragmática, podemos no dia a dia tomar decisões que pressionem os grupos econômicos a mudarem de rota. Quanto mais gente consumindo orgânicos, mais mau negócio o uso de agrotóxicos se torna. Só que para isso é preciso uma postura mais pró-ativa e crítica na hora de ir às compras. Não basta chegar no local mais próximo e pegar o item mais barato possível, achando que com uma lavadinha vai ficar tudo bem. Temos que ser sinceros com nós mesmos para ter uma vida com mais qualidade.
Claro que para haver mudanças é importante atuar politicamente em relação ao tema, cobrando dos 3 poderes as medidas que queremos, fazendo petições, organizando protestos e não votando nos representantes que vão contra nossos valores. Entretanto, de forma bem pragmática, podemos no dia a dia tomar decisões que pressionem os grupos econômicos a mudarem de rota. Quanto mais gente consumindo orgânicos, mais mau negócio o uso de agrotóxicos se torna. Só que para isso é preciso uma postura mais pró-ativa e crítica na hora de ir às compras. Não basta chegar no local mais próximo e pegar o item mais barato possível, achando que com uma lavadinha vai ficar tudo bem. Temos que ser sinceros com nós mesmos para ter uma vida com mais qualidade.
Agrotóxicos não são uma necessidade inevitável. É possível levar
comida para cada mesa brasileira sem agredir o meio ambiente e nem
causar danos à saúde dos trabalhadores rurais e de nós mesmos. Ar puro,
águas limpas, terras férteis e alimentos de qualidade. A gente tem
direito a tudo isso.
E esse é um dos motivos pelos quais apostamos na ideia de que o
futuro é mesmo um retorno ao campo. Não da forma como nossas gerações
passadas fizeram. O futuro é poder unir tecnologia com natureza e
usufruir dos dois com equilíbrio. Muita gente já decidiu largar a cidade
em busca de mais qualidade de vida, mas se esse não for um sonho seu,
não é preciso ser tão radical. Basta se reaproximar da natureza
reativando hábitos sábios que nossos antepassados deixaram: plantar,
para comer bem.
Uma varanda num apartamento já é espaço suficiente para produzir
alguns alimentos básicos para uma família e evitar servir veneno como
acompanhamento das refeições para as pessoas que ama. Vendo desse ponto
de vista, qual o trabalho de regar alguns vazinhos todos os dias?
Texto postado originalmente em:http://www.ecodebate.com.br/2015/04/07/agrotoxicos-conheca-o-tempero-mais-usado-por-brasileiros-que-pode-matar-a-sua-familia/
Fonte: http://controversia.com.br/15920
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