Quando suas decisões afetam não apenas o réu e sua vítima, mas
centenas, milhares de cidadãos, o promotor deve acusar e o juiz, julgar,
com a mente e o coração voltados para o que ocorrerá, in consequentia.
Nos últimos anos, a nação tem tido, na área de obras públicas,
bilhões de reais em prejuízo. E isso não apenas devido a falhas de
gestão – que, com a exceção dos Tribunais de Contas, não devem ser
analisadas pelo Judiciário – ou de casos de corrupção, alguns com mais
de 20 anos.
Houve também a paralisação – a caneta – de grandes obras de
infraestrutura. Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, em
construção na Amazônia em um momento que o país precisa desesperadamente
de energia, teve suas obras judicialmente suspensas por dezenas de
vezes, o que também contribuiu para que se somassem meses, anos de
atraso ao seu prazo de entrega; e também para a multiplicação de seus
custos.
O mesmo ocorreu com Teles Pires e Santo Antônio, com a refinaria
Abreu e Lima e com a transposição do São Francisco. Em todos esses
empreendimentos foram encontrados problemas de algum tipo, mas
justamente por isso, é preciso que o Ministério Público e o Judiciário
busquem outro meio de sanar eventuais falhas e punir irregularidades,
que não seja, a priori, a imediata paralisação das obras. Afinal,
ainda é melhor obras com problemas, que podem ser eventualmente
corrigidos, do que nenhum projeto ou iniciativa desse porte, em setores
em que o país esteve praticamente abandonado durante tantos anos.
Uma das soluções, para se evitar esse tipo de atitude drástica,
poderia ser a de que se nomeasse interventores que pudessem investigar
irregularidades e fiscalizar, in loco, em cada obra, o cumprimento das determinações judiciais.
Declarações bombásticas e precipitadas também não ajudam, quando se
trata de projetos essenciais para o desenvolvimento do país nos próximos
anos.
No contexto da Operação Lava Jato, centenas de milhares de
trabalhadores e milhares de empresas já estão perdendo seus empregos e
arriscando-se a ir à falência, porque o Ministério Público, no lugar de
separar o joio do trigo, com foco na punição dos corruptos e na
recuperação do dinheiro – e de estancar a extensão das consequências
negativas do assalto à Petrobras para o restante da população – age como
se preferisse maximizá-las, anunciando, ainda antes do término das
investigações em curso, a intenção de impor multas punitivas bilionárias
às companhias envolvidas, da ordem de dez vezes o prejuízo efetivamente
comprovado.
Outro aspecto a considerar é a interferência indevida, em esferas da
administração pública que não são da competência do MP, como foi o
pedido de paralisação, no mês passado, das obras de ciclovias que estão
em execução pela prefeitura de São Paulo.
Não cabe ao Ministério Público, em princípio, julgar, tecnicamente,
questões viárias. E menos ainda, limitar o debate e a busca de consenso,
em âmbito que envolve a qualidade de vida de metrópoles como a capital
paulista, uma das maiores do mundo.
A não ser que haja uma mudança constitucional que faça com que venham
a ser escolhidos por meio das urnas – e mesmo que viesse a ocorrer isso
– é preciso que o Ministério Público e o Judiciário tenham especial
cuidado para que alguns de seus membros não passem a acreditar – e a
agir – como se tivessem, com base na meritocracia, sido ungidos por Deus
para tutelar os outros poderes, e, principalmente, o povo.
Aos juízes e ao Ministério Público não cabe interferir, de moto
próprio, nem tentar substituir o Legislativo ou o Executivo, na
administração da União, dos Estados e municípios, que devem recorrer ao
Supremo Tribunal Federal sempre que isso ocorra, assim como cabe ao STF
coibir, com base na Constituição, esses eventuais excessos.
Em uma democracia, todo o poder emana do povo.
É ele que comanda. É ele que, em última instância, executa. É ele
que, indiretamente, legisla. É ele que, a cada dois anos, julga, por
meio do processo eleitoral, segundo o rito político. A sua sentença é o
voto.
O eleitor é o Estado. E o juiz supremo.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/da-justica-o-minimo-que-se-espera-e-bom-senso-por-mauro-santayana/
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