No Recife de 1930 só havia um fotógrafo de qualidade, e se estabelecia na Rua Nova. Chamava-se Louis Piereck. Por sinal, um liberal.
Os jornais diários de lá, por exemplo, tercerizavam os serviços de fotografia.
Qualquer coisa que servisse ao sensacionalismo da mídia, um assassinato, um desastre de carro, um incêndio, e logo chamavam Piereck.
Bom profissional, Piereck mantinha informantes nos locais onde o sensacionalismo pudesse se apresentar. Fazia suas fotos e as vendia aos jornais e terceiros interessados.
Quando João Dantas acabou de ser trucidado na Detenção, em Recife, onde foi preso pela morte de João Pessoa, o informante de plantão, servindo a Piereck, o avisou.
Prontamente o profissional pegou sua máquina. Foi lá e fotografou, documentando toda a cena do crime, com os corpos na exata posição em que ficaram depois da luta feroz com que João Dantas reagiu aos seus algozes.
Camas, cadeiras e colchões revirados, sangue pra todo lado, ofereciam as imagens desse massacre e dessa resistência, facilmente inferidos.
Foram três os agressores. Um, médico, Luiz de Góis, que apontou a carótida. Outro, um inimigo ferrenho de Dantas, o Sargento Ascendino Feitosa que o segurou e o terceiro um soldado que fez a sangria, após os três terem dominado a vítima.
Os assassinos apanharam tranquilamente as chaves da cela de João Dantas na administração da Detenção, sob domínio dos revoltosos de Getúlio Vargas, que controlavam a situação em todo o País, após o golpe.
Dorgival Terceiro Neto em livro, conta que entrevistou o cangaceiro Antônio Silvino, preso nessa mesma Detenção, em cela vizinha a de João Dantas e solto pelos revoltosos sob promessa de calar o que vira e ouvira do massacre de João Dantas. E deu detalhes da chacina.
Silvino narrou prá Dorgival como os bandidos sofreram para matar João Dantas.
"Matem-me, bandidos, covardes, mas vocês não me ouvirão pedir piedade." Disse o advogado já sangrando.
Posteriormente a Polícia de Pernambuco fabricou a versão do suicídio de Dantas. Em cima de um bilhete realmente escrito por ele.
João Dantas que teve o pressentimento perfeito do que lhe estava reservado diante da revolução vitoriosa e do caráter dos seus inimigos, pedira à sua noiva, Anayde Beiriz, que lhe trouxesse algo com que pudesse se suicidar. Ele não admitia dar aos inimigos o gosto de sangrá-lo.
Anayde, corajosamente, conseguiu, diante da severa vigilância de agentes penitenciários, embutir na gola de uma das camisas de Dantas uma daquelas serrinhas metálicas de serrar ampolas de injetáveis, que existiam antigamente.
Essa serrinha seria utilizada num caso extremo e estava junto de um bilhete que João Dantas realmente escreveu, vazado nos seguintes termos:
“Mato-me de ânimo sereno e consciência tranqüila, porque estou entregue a bandidos e meu brio não suporta humilhações”.
Foi um achado para os impostores. Em cima disso montaram a versão oficial do suicídio contra toda a evidência das fotografias, que, com senso profissional, Pierreck batera antes.
Logo Piereck foi chamado à Detenção. O interventor Carlos de Lima Cavalcanti, então seu amigo, o ordena a fotografar o local do crime.
Agora com tudo arrumado, os corpos de Dantas e do cunhado estirados com cuidado em cima das camas, os móveis arrumadinhos dando impressão de calma e corroborando a tese do suicídio.
Tiveram o cuidado de deitar Dantas de um jeito que não aparecesse o crânio arrebentado à cacete.
E Piereck fotografou dessa forma, tendo arquivado no seu estabelecimento os negativos das fotos que tirara antes.
Dois anos depois, Piereck se desentende com Carlos Lima Cavalcanti, rompe com ele e suicida-se de desgosto, depois.
Mas antes mostra e conta ao filho dos negativos anteriores e da verdade do fato.
O filho passa as mãos de Joaquim Caldas os negativos, e no seu livro “Porque João Dantas matou João Pessoa”, em 1935 e com apenas 200 exemplares na edição inicial, Joaquim divulga as duas fotos de Piereck: a de antes e a do depois, quando a Polícia de Pernambuco documentando o “suicídio”, ordenou que ele tirasse. E desmascara a farsa.
Os cadáveres de Dantas e do cunhado são exumados. E foi visto o seu crânio perfurado. O Brasil toma conhecimento dessa mentira histórica. O fato novo deu manchete na imprensa brasileira.
Quem poderia cortar a carótida e depois marretar seu próprio crânio?
Pois bem, quase 40 anos depois desses fatos, Zé Américo diz no “Ano do Négo” textualmente, e lá na página 250:
“João Dantas suicidou-se na Penitenciária em Recife. O cadáver não apresentava contusões, nem equimoses e nem escoriações. E um homem do seu temperamento não se deixaria sacrificar, sem resistir”
Se você olhar a fotografia original de Piereck, reproduzida nos livros de Joaquim Inojosa e no de Joaquim Caldas, este reeditado recentemente pela ONG Parahyba Verdade, vai ver que o pau que mais tinha foi o que o “solitário de Tambaú” disse que não tinha no cadáver de João Dantas, dando, de propósito, à maior e mais triste “sobrada” de sua vida de escritor e historiador.
Compare as Fotos 1 e 2. Veja a Foto 3 e sinta essa "sobrada". Clique aqui: http://documentos1930.blog.terra.com.br/as_fotos_na_cela_de_joao_dantas
E mais uma vez, no seu livro, o devotado de Lourdinha Luna mostrou que conhecia João Dantas e sua coragem pessoal. Por isso implorou pra João Pessoa não ir ao Recife no dia em que foi e morreu de teimoso, também.
As fotos na cela de João Dantas
Foto 2 - Corpo de João Dantas na fotografia arrumada pela polícia de Pernambuco, com a cabeça abaixo da cama, para ocultar os ferimentos.
Foto 3 - As contusões, equimoses e escoriações que Zé Américo não viu. O corte na carótida foi de tal forma que permitia se ver o esôfago.
Documentos do blog da Eunice:
Fonte: http://documentos1930.blog.terra.com.br/as_fotos_na_cela_de_joao_dantas
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