domingo, 21 de fevereiro de 2010

Memória: Reforma política: aposentar Caciques dos Partidos

O PRESIDENTE Castello Branco parece interessado em examinar as sugestões que lhe vêm sendo feitas no sentido de dar maior profundidade à revisão das estruturas políticas, que inicialmente pensou fazer em escala bastante modesta. Os projetos iniciais do Govêrno referiam-se a uma reforma eleitoral e a uma lei orgânica dos partidos, ambas consideradas essenciais a uma melhoria dos instrumentos de apuração da manifestação da vontade popular, mas ambas tidas pelos peritos nos estudos constitucionais do Brasil como insuficientes.
O de que se necessitaria, no momento, seria de alguma coisa semelhante ao que fêz na França, em 1958, o General Charles De Gaulle, embora sem que se pense em adotar necessàriamente a mesma linha de fortalecimento do poder presidencial seguida na Constituição francesa daquele ano.
Abandonada a idéia da mudança do sistema presidencialista para uma nova experiência parlamentarista - idéia condenada pelo malôgro da experiência anterior e recente, muito embora já haja novamente na Câmara uma emenda constitucional parlamentarista com 205 assinaturas, o que demonstra, pelo menos, a persistência das inclinações doutrinárias da maioria dos deputados -, cogita-se de modificar a estrutura do regime presidencialista. Essas modificações poderiam ir até admitir a existência de um conselho de ministros ou de ministros prèviamente aprovados pelo Congresso ou, ao menos, pelo Senado - prática norte-americana - como tentativa de contenção dos excessos presidencialistas e de uma boa distribuição de tarefas. Entende-se que a missão de chefe de Estado cresceu tanto quanto a missão de chefe de govêrno, a tal ponto que se tornaria rigorosamente impossível a um só homem exercer eficientemente as duas.
Ao chefe de Estado, no entanto, seriam asseguradas prerrogativas que manteriam em suas mãos o poder de decisão em tôdas as questões de importância política e administrativa.
Tentar-se-ia, por outro lado, assegurar senão a prevalência pelo menos a liderança legal - no reconhecimento da liderança de fato - do Poder Executivo sôbre o Poder Legislativo, na formulação da política de govêrno. Pensa-se, portanto, em introduzir, em caráter permanente, a tramitação especial dos projetos da iniciativa do Presidente da República, bem como a de consagrar, no texto da Constituição, as restrições à iniciativa legislativa dos deputados, notadamente no que se refere a projetos de lei aumentando a despesa pública.
A proibição de iniciativas de parlamentares com reflexos na despesa pública não só asseguraria a incolumidade da política econômico-financeira do Govêrno, como favoreceria o prestígio do Congresso, afetado exatamente pela liberalidade com que deputados e senadores usam, sob pressão dos seus eleitores, da faculdade de propor projetos de lei ou emendas aos projetos em andamento.
No que se refere ao problema dos partidos políticos, as tendências vêm variando, mas de um modo geral consideram-se carentes de objetividade as tentativas de eliminar os atuais partidos para substituí-los por organizações que estruturassem de modo mais coerente as tendências ideológicas e compusessem de maneira melhor, os interêsses em jôgo. Os partidos que aí estão, sobretudo os grandes partidos, como o PSD, o PTB e a UDN, encontram bases de opinião bastante estáveis e têm seu fundamento de realidade nas rivalidades políticas municipais que seriam ainda a substância do grande jôgo político nacional.
O problema seria o de democratizar êsses partidos, interferindo no seu processo, condicionando-os ao cumprimento de exigências legais que os poriam a salvo do domínio de oligarquias ou de interêsses de grupos que em cada Estado monopolizam a legenda sem qualquer possibilidade de apêlo ou recurso. Os partidos brasileiros não têm existência efetiva a não ser nos períodos eleitorais, e assim mesmo as convenções que ratificam candidaturas são manipuladas pelos donos da legenda, que negam acesso a qualquer influência estranha ao seu exclusivo interêsse político ou mesmo pessoal. Seria necessário permitir o arejamento das reuniões partidárias com o acesso às mesmas das correntes de opinião, desde o município até o âmbito nacional. Isso jamais aconteceria por vontade própria dos caciques partidários e teria de ser uma resultante de imposições legais, que o atual Govêrno poderia promover com rapidez e eficiência.
Os Srs. Gustavo Capanema e Afonso Arinos, juntamente com o falecido San Thiago Dantas, estudavam êsses temas em profundidade e vinham mantendo a respeito exaustivos encontros com o Ministro da Justiça, sensível à necessidade de partir o País para novas experiências em matéria de estrutura política.
Pensaram aquêles próceres em interessar no assunto o Presidente dos grandes partidos para a formação de uma frente ou bloco parlamentar que, na base do estímulo ao Govêrno, apoiasse firmamente a votação das reformas. A idéia está em marcha, e é possível que o Presidente autorize o Ministro Milton Campos a ampliar o terreno em que se estudam, no momento, as reformas políticas que pretende fazer possìvelmente nos primeiros meses de 1965.
As resistências da rotina política e parlamentar serão muito grandes e só mesmo o impulso de uma dinâmica revolucionária poderá permitir a reestruturação de que se cogita no momento.
Caso, no entanto, as dificuldades de ordem doutrinária sejam inconciliáveis, o Govêrno poderá se ver na contingência de restringir seu propósito reformista, na área política, a simples ajustamentos da legislação vigente.
Nesse caso, teríamos apenas algumas providências destinadas a coibir a fraude eleitoral ou a fixar exigências maiores para registro de partidos políticos, a fim de evitar que continuem a proliferar as legendas partidárias destituídas de qualquer significação.
Revista O Cruzeiro
03.10.1964

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