- Essas quengas não conhecem seu lugar
- Estão cada vez mais atrevidas.
O cochicho indignado das mães de família não abalava a irreverência das mulheres de vida fácil. Num velho jipe sem capota, maquiagem carregada de rouge e batom encarnado, fantasias de laquê em cores vivas e muitos babados, elas desafiavam a comportada Ipaumirim nos dias de carnaval. Davam a sua volta gloriosa a caminho do Baixio cortando a cidade e a moralidade provinciana. Os homens, dissimulados, calavam em público mas deviam se deliciar com tanta ousadia.
Na calçada da casa do meu avô, eu observava aquele corso solitário e alegre. Eram as famosas raparigas do cabaré de Julinha brincando o carnaval fora do seu território.
- Estão cada vez mais atrevidas.
O cochicho indignado das mães de família não abalava a irreverência das mulheres de vida fácil. Num velho jipe sem capota, maquiagem carregada de rouge e batom encarnado, fantasias de laquê em cores vivas e muitos babados, elas desafiavam a comportada Ipaumirim nos dias de carnaval. Davam a sua volta gloriosa a caminho do Baixio cortando a cidade e a moralidade provinciana. Os homens, dissimulados, calavam em público mas deviam se deliciar com tanta ousadia.
Na calçada da casa do meu avô, eu observava aquele corso solitário e alegre. Eram as famosas raparigas do cabaré de Julinha brincando o carnaval fora do seu território.
Muitos outros cabarés famosos existiram em Ipaumirim. Lembro que ouvi contar do antigo cabaré de Cesarina e Ginu, das festas da Nova Brasília, às margens da BR 116, das perversidades do cabaré do Posto Fiscal. Nenhum deles deixou a marca alegre da casa de Júlia, próxima da ponte do riacho mais conhecido como o 23 e defronte a rodagem que dava saída para Lavras da Mangabeira, Crato, Fortaleza, Icó e muitos sítios no município e redondezas.
De onde veio Júlia, mulher miúda, de olhos pequenos e sorriso maroto, que administrava aquele território de prazer onde se ensinava os homens a amar suas distintas e recatadas ‘senhouras’?
Em dezembro de 2002, eu pedi a Jùlia para conversar com ela. Reticente e desconfiada, ela concordou para não ser indelicada. Firmamos um compromisso. Ela só falaria do que quisesse e eu não perguntaria nomes.
- Tu vai escrever um livro sobre mim? – perguntou.
- Não, Júlia, eu vou achar um jeito de guardar você na memória de Ipaumirim. Fique tranqüila.
Julia abre seu sorriso maroto e pergunta:
- O que você quer saber?
- Só que você quiser contar, respondo.
Não levo gravador nem máquina fotográfica para não quebrar a nossa naturalidade. Somos duas mulheres conversando sobre a vida. Trago apenas um caderno onde vou fazer as anotações. Esperamos que Elza traga o café antes de começar a nossa conversa. Júlia está vestida com um bonito robe cor de rosa que ganhou de presente.
Enquanto tomamos o café, Elza limpa a estante com óleo de peroba. A casa é humilde. O piso de cimento queimado brilha de tão limpo. A decoração simples traz fotos, quadros e imagens. Uma foto ampliada de Dr. Miraneudo Linhares, médico e ex-prefeito da cidade, outra de Júlia, ainda jovem, em branco e negro, fotografada por Zacarias Pontes, no curral de Cícero Fernandes. Um quadro de Padre Cícero a quem Júlia presta homenagem vestindo preto todo dia 20 de cada mês. Em cima de um aparador com várias imagens, destaca-se uma pomba representando o Divino Espírito Santo. Na estante, a foto do neto que trabalha no Mc Donalds, em Brasília.
O calor insuportável do verão sertanejo incomoda. Sentamos perto da porta de entrada para melhorar a sensação de abafamento.
De onde veio Júlia, mulher miúda, de olhos pequenos e sorriso maroto, que administrava aquele território de prazer onde se ensinava os homens a amar suas distintas e recatadas ‘senhouras’?
Em dezembro de 2002, eu pedi a Jùlia para conversar com ela. Reticente e desconfiada, ela concordou para não ser indelicada. Firmamos um compromisso. Ela só falaria do que quisesse e eu não perguntaria nomes.
- Tu vai escrever um livro sobre mim? – perguntou.
- Não, Júlia, eu vou achar um jeito de guardar você na memória de Ipaumirim. Fique tranqüila.
Julia abre seu sorriso maroto e pergunta:
- O que você quer saber?
- Só que você quiser contar, respondo.
Não levo gravador nem máquina fotográfica para não quebrar a nossa naturalidade. Somos duas mulheres conversando sobre a vida. Trago apenas um caderno onde vou fazer as anotações. Esperamos que Elza traga o café antes de começar a nossa conversa. Júlia está vestida com um bonito robe cor de rosa que ganhou de presente.
Enquanto tomamos o café, Elza limpa a estante com óleo de peroba. A casa é humilde. O piso de cimento queimado brilha de tão limpo. A decoração simples traz fotos, quadros e imagens. Uma foto ampliada de Dr. Miraneudo Linhares, médico e ex-prefeito da cidade, outra de Júlia, ainda jovem, em branco e negro, fotografada por Zacarias Pontes, no curral de Cícero Fernandes. Um quadro de Padre Cícero a quem Júlia presta homenagem vestindo preto todo dia 20 de cada mês. Em cima de um aparador com várias imagens, destaca-se uma pomba representando o Divino Espírito Santo. Na estante, a foto do neto que trabalha no Mc Donalds, em Brasília.
O calor insuportável do verão sertanejo incomoda. Sentamos perto da porta de entrada para melhorar a sensação de abafamento.
ML
dezembro de 2002
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