Prezado professor Freud: “Existe alguma forma de livrar a Humanidade da ameaça de guerra?”
Assim está exarado no caput da carta enviada ao cognominado Médico
de Almas e Pai da Psicanálise, Sigmund Freud. A correspondência estava
assinada pelo famoso físico alemão Albert Einstein, datada de 30 de
julho de 1932, às vésperas da invasão nazista à Áustria, o qual
apresenta a questão a convite da Liga das Nações [precursora da ONU] e
de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, localizado
em Paris. Além daquela, outras duas perguntas compõem a histórica
missiva: “Como os mecanismos de poder conseguem despertar nos homens um
entusiasmo extremado, a ponto de sacrificarem suas vidas?” e “É possível
controlar a evolução da mente do homem de modo a torná-lo à prova das
psicoses do ódio e da destrutividade?”1
Einstein nasceu na cidade de Ulm, Alemanha, em 14 de março de 1879.
A partir de 1912-1914 começa a realizar os seus famosos estudos em
torno da Teoria da Relatividade Geral, publicando-a em 1916. Recebe o
prêmio Nobel de Física em 1922, desencarnando em 18 de abril de 1955,
aos 76 anos.2
Sigmund Freud, nasceu na Morávia em 6 de maio de 1856, na cidade de
Freiberg, atual Pribor, na República Checa. Ingressa no curso de
Medicina, na Universidade de Viena, em 1873, concluído em 1881. A partir
de 1885 e até março de 1886, faz estágio com o grande médico francês
Jean Martin Charcot (1825-1893), no hospital Salpêtrière, em Paris.
Desencarna em Londres, a 23 de setembro de 1939.3
A essência do pensamento de Einstein, ao formular ao criador da Psicanálise as suas instigantes perguntas4,
demonstra a preocupação do grande físico, inicialmente com a ameaça
constante de nova guerra. Ele um dia declarou: Não sei quais serão as
armas da Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta Guerra Mundial será
combatida com paus e pedras5. Destaca para o Dr. Freud,
assim, que, com o progresso da Ciência de nossos dias, “esse tema
adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização”, e
de que “todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável
fracasso”. Ao justificar o seu apelo ao famoso psicanalista, em nome das
entidades de caráter social e científico que representa, o gênio da
Matemática declara que “o objetivo habitual do seu pensamento não lhe
permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do
sentimento humano”, e posiciona a sua expectativa de que Freud
“proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo
conhecimento da vida instintiva do homem”.
No segundo questionamento, derivado do primeiro, Einstein enfatiza o
seu diagnóstico científico que “o homem encerra dentro de si um desejo
de ódio e destruição e que esse estado de paixão pode ser elevado à
potência de psicose coletiva e que só um especialista [como no caso de
Freud] na ciência dos instintos humanos pode resolver ”.
Finalmente, na última questão formulada naqueles idos de 1932, pelo
criador da Teoria Geral da Relatividade – e que um dia declarou que
“apenas duas coisas são infinitas, o Universo e a estupidez humana, mas
não estou certo quanto ao primeiro”6 –, ele argumenta que
possuía consciência do interesse das classes dominantes, que “não tinham
limite em sua fome de poder político” e que “consideravam a guerra como
uma forma de expandir seus interesses pessoais”, tendo Einstein ainda
noção exata, além das guerras entre as nações, “da existência dos
conflitos por intolerância religiosa ou perseguições a minorias
raciais”.7
Em setembro de 1932, Sigmund Freud responde ao “prezado professor
Einstein”, declarando ter sido pego de surpresa acerca da indagação: O
que pode ser feito para proteger a Humanidade da maldição da guerra?,
enfatizando que, em princípio, entendeu ser o assunto do domínio de
estadistas, mas teve a intuição que Einstein formulara a questão não
como cientista, mas na qualidade de filantropo, solicitando, portanto, a
ele, Freud, uma resposta-abordagem a partir da Psicanálise, enfatizando
ser a guerra consequência das “pulsões”*, do ódio e do desejo de
destruição e que a sociedade vive em constante transformação da
violência. Em muitos indivíduos, segundo Freud, existem agressividade e
crueldade, conforme apurava o ilustre psicanalista, ouvindo relatos
dramáticos resultantes de transtornos da personalidade.
O pensamento freudiano ensina que os seres humanos são incitados à
guerra por diversos motivos, entre eles o desejo da agressão e
destruição, e que a satisfação desses impulsos destrutivos seria
facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza emotiva e
idealista. Freud enfatiza que, se o desejo de aderir à guerra é um
efeito do instinto destrutivo, a solução será contrapor-lhe o “eu”
antagonista mais poderoso: Eros, o instinto do amor. Nesse ponto,
portanto, a Psicanálise fala de amor e Freud lembra o Novo Testamento:
Ama a teu próximo como a ti mesmo e que nesse momento “os homens
partilham seus interesses e produzem comunhão de sentimentos”. O autor
de O Mal-estar na Civilização (1930) propunha que era necessário um
cuidado com a educação dos homens de mentalidade independente, educação
essa que não deveria ser baseada na coação ou na intimidação, embora
para ele esse ideal educacional fosse uma utopia.
No ano em que Sigmund Freud fazia treze anos de idade, Allan Kardec
desencarnava em Paris, a 31 de março de 1869. Einstein nasceria somente
dez anos depois e, em 1932, a sua famosa carta, escrita quando ele
tinha cinquenta e três anos, poderia também ter sido submetida à
apreciação do pensamento doutrinário do Espiritismo, constante de suas
obras básicas, resultado do esforço pessoal de Allan Kardec e de sua
equipe de médiuns e de colaboradores diretos, e da ação coletiva,
organizada, com dinâmica de universalidade de ensino, promovida pelos
Espíritos que se mobilizaram, em nome de Deus e de Jesus, para
consolidarem a vinda do Consolador à Terra.
Imaginando-se a possibilidade, que resposta Allan Kardec daria aos
questionamentos de Einstein? O Codificador certamente se reportaria ao
capítulo VI – Da Lei de Destruição, constante da parte terceira de O
Livro dos Espíritos8, publicado em 18 de abril de 1857,
máxime a partir da questão 742, quando os Espíritos, indagados sobre:
Qual a causa que leva o homem à guerra?, respondem que é “Predominância
da natureza animal sobre a natureza espiritual e satisfação das paixões”
e que “À medida que o homem progride, a guerra se torna menos
frequente, porque ele evita suas causas, e quando a julga necessária,
sabe adicionar-lhe humanidade”. Reforçaria esses lúcidos e racionais
ensinos informando que o homem não tem duas almas, uma boa e outra má,
maneira de ver que resultaria serem, os bons e maus instintos do homem,
efeito da predominância de uma ou outra dessas almas, e sim o que dupla
no homem só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza
espiritual, tal como exarado na questão 605.
Comentaria, ainda, consoante a questão 743 do livro básico da
Doutrina Espírita, que a guerra desaparecerá um dia da face da Terra,
quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus e
que, nessa época, todos os povos serão irmãos.
Elucidaria, também, a respeito do livre-arbítrio, tal como está
registrado na questão 843, na qual os Espíritos destacam que o homem tem
a liberdade de pensar e de agir, e que seria uma máquina se não
possuísse a liberdade de escolha consoante o seu próprio discernimento.
Apresentaria, igualmente, os seus estudos em torno da educação moral,
aquela que consiste na arte de formar os caracteres, que pode ser
definida como o “conjunto dos hábitos adquiridos”, afirmando que “só a
educação poderá reformar os homens”, ensinamentos estes constantes das
questões 685a e 796 de O Livro dos Espíritos.
Finalmente poderia encerrar a sua resposta a Einstein informando-o
que “o homem é quase sempre o artífice da sua própria infelicidade”, mas
que, “praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se de muitos males e
alcançar felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência
grosseira”, consoante as informações dos Espíritos, exaradas na questão
921 do referido livro.
Num futuro próximo, muitas indagações acerca de enigmas da vida e
do comportamento humano, que aturdem cientistas, religiosos, pensadores
agnósticos e de visão reducionista do homem, serão examinadas à luz do
Espiritismo, obtendo-se, então, a claridade necessária à sua
interpretação e solução.
* Instinto (no sentido freudiano) que compele a agir.
1. Tudo Sobre Freud. Revista Mythos Editora, n.19, p.30.
2. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Biblioteca Época – personagens que marcaram época. Editora Globo.
3. Tudo Sobre Freud. Opus cit. e Freud e o Despertar do Inconsciente. Coleção Memórias da Psicanálise 1. Viver Mente e Cérebro.
4. Vide http://www.scribd.com/doc/7182942/Einstein-e-Freud-Por-Que-a-Guerra-Cartas
5. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Opus cit. p.109.
6. Idem, Ibidem, p.110.
7. Tudo Sobre Freud, p.30.
8. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1. edição comemorativa do
Sesquicentenário.Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2006, FEB.
Revista RIE - Janeiro de 2010
Fonte: \http://jornalggn.com.br/noticia/as-correspondencias-entre-einstein-e-freud-sobre-a-violencia-humana
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