domingo, 17 de abril de 2011

A quarta-feira, 2 de julho de 1975, tinha sido mais um dia comum na vida simples e bucólica de Cajazeiras, então com 40 mil habitantes. Cinema era a maior diversão e mais de 40 espectadores tinham acabado de assistir ao filme Sublime Renúncia, no Cine-Teatro Apolo 11. Uma parte saiu antes do final. A cadeira cativa de dom Zacarias Rolim de Moura estava vazia, mas debaixo dela havia uma pasta modelo 007. Na varredura final do auditório, antes do fechamento do cinema, Geraldo Galvão encontra e entrega ao soldado Didi a pasta abandonada. A explosão que sacudiu a cidade e assustou a população foi uma questão de segundos. Na curiosidade, ao abrir para saber de quem era, Didi puxa de dentro algo que imagina ser um gravador. A poucos metros, Manuelzinho grita: não mexe, é uma bomba. No susto, Didi soltou a bolsa no chão.

O impacto do poder explosivo da bomba-relógio arrancou-lhe as pernas e o levaria à morte, juntamente com Manuelzinho. Os dois Geraldos ficaram mutilados. O agente federal disse a mim que tinha 15 minutos ainda para ela explodir. Se ele (Didi) tivesse colocado devagarzinho no chão e se afastado, tinha evitado a morte, relata dona Francisca Soares (dona Francisquinha), 71, viúva do soldado. No dia seguinte, um avião da Força Aérea levaria oficiais do IV Exército, com sede no Recife, e o comando e investigadores da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública da Paraíba a Cajazeiras. A cidade viveu 30 dias de suspense e temor de um novo atentado.

Na Paraíba, nos círculos políticos e da imprensa, a versão que se espalha é a de um atentado terrorista da esquerda contra o bispo dom Zacarias Rolim de Moura. Na oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) rebate, acusando ter sido um atentado da direita para incriminar a esquerda e desestabilizar a abertura política no País.

Um ano antes, havia assumido a Presidência da República o general de Exército Ernesto Geisel (1974/1979) sucessor do general Emílio Garrastazu Médici (1969/1974), que pressionado pela esmagadora vitória da oposição (MDB) nas eleições de 74, propõe à nação uma distensão (abertura) lenta, gradual e segura” de retorno à democracia. Uma série de atos da linha-dura e do braço clandestino do regime se sucedem para impedir a abertura política, a transferência do poder aos civis e o retorno das eleições gerais.


Ação seria da mesma safra da OAB e do Riocentro


Um encontro casual, na Prefeitura de João Pessoa, em 1986, onze anos depois do episódio, consolida os indícios de uma ação do braço armado clandestino da ditadura militar no atentado ao cine Apolo 11. O ex-vice-prefeito de Cajazeiras, Abidiel de Souza Rolim, 71, é apresentado por um amigo comum ao general Antônio Bandeira, um paraibano linha-dura e primeiro comandante das tropas do Exército que combateram a guerrilha do PCdoB no Araguaia, Sul do Pará, entre 1971 e 1974. Bandeira revela que havia conhecido Cajazeiras, ao que Abidiel responde com espanto: Um general na minha terra? Bandeira então diz que foi na época das investigações da bomba do cinema, sem dar maior detalhe.

Movido pela curiosidade, o dentista Abidiel Rolim afirma que prolongou o diálogo com o general, para tanto indagou se a bomba em Cajazeiras tinha alguma relação com os episódios da OAB/RJ e Riocentro. A resposta foi surpreendente: São da mesma safra, sintetizou sem acrescentar mais nada, segundo Abidiel.

Inquérito foi aberto pela Polícia Federal para apurar a autoria intelectual e quem colocou a bomba, e o Exército fez investigações. Os suspeitos imediatos um líder político, um padre e um gênio autodidata surgiram à cabeça da população, suspeitas nunca comprovadas. Quem teria interesse em matar dom Zacarias e conhecimento para preparar uma bomba? Os três suspeito eram cidadãos acima de qualquer suspeita para a Igreja e o povo.

Deputado estadual pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ex-líder estudantil e considerado um agitador, o advogado João Bosco Braga Barreto foi o mais ouvido pela Polícia Federal. O técnico em eletrônica Inácio Assis, admirado pela inteligência, também depôs. E o padre norte-americano e professor Francis Xavier Boyes, o Mr. Boyes, um liberal para os padrões de Cajazeiras que teria sido censurado por dom Zacarias foi incluído na relação. As suspeitas foram derrubadas nos depoimentos. Restou as de historiadores e políticos: matar um bispo conservador e atribuir à esquerda iria endurecer o regime.


No processo de abertura, uma série de bombas


A bomba do Cine-teatro Apolo 11, em Cajazeiras, Sertão da Paraíba, em 1975, foi o primeiro de uma série de episódios ocorridos ao longo dos governos dos generais Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. Ao assumir, em 15 de março de 1974, Geisel anuncia o processo de abertura política lenta, gradual e segura. Escolhido por Geisel, Figueiredo assume, em 1979, com a missão de dar continuidade à distensão e devolver o poder aos civis.

A linha dura do regime e o braço clandestino da repressão deflagram, então, uma luta para inviabilizar a redemocratização com ações de violência e terrorismo. Em 1975, submetido a tortura, morre nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), de São Paulo, órgão subordinado ao Exército, o jornalista Vladimir Herzog, da TV Cultura. Em 1976, o líder metalúrgico Manoel Fiel Filho é também encontrado morto em uma cela do DOI-Codi. Ambos militavam no PCB.

Em 1977, o general Geisel enfrenta o auge de uma crise com o comandante do Exército, general Sylvio Frota, um linha dura que defendia o endurecimento do regime. Geisel resolve isolar o segmento militar contrário à abertura política. Surge a versão de que o general Frota pretende ser presidente da República, gerando a suspeita de preparava um golpe para depor Geisel. Para preservar a abertura política e a sua autoridade sobre as Forças Armadas, Geisel depõe Frota em 12 de outubro. Eleito, indiretamente, pelo Congresso Nacional, o ex-chefe da Casa Militar de Geisel, João Baptista Figueiredo, enfrenta três episódios que elevam a tensão no País. Uma série de ataques à bomba a bancas de revistas, em capitais, é executada, em seguida, o Brasil é sacudido pela carta-bomba na sede da OAB/RJ, que matou a secretária da entidade, Lyda Monteiro Silva, em 27 de agosto de 1980.

Na última ação de desespero da direita, fracassa o atentado no pavilhão do Riocentro, na noite de 30 de abril de 1981, quando ocorria um show pela passagem do Dia do Trabalhador. A bomba explode no colo do sargento do Exército, Guilherme do Rosário, quando armava o dispositivo. Ele morre na hora e fica ferido o capitão Wilson Machado. O inquérito militar acusa a esquerda radical, mas depoimentos de agentes do regime à imprensa provam a ação da direita radical contra a redemocratização.

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